Uma Análise Crítica à Nota Técnica n. 1/2024 do MPF: Fundamentos Técnicos, Jurídicos e Econômicos em Questão - ANATC - Associação Nacional das Empresas de Transporte de Cargas

Uma Análise Crítica à Nota Técnica n. 1/2024 do MPF: Fundamentos Técnicos, Jurídicos e Econômicos em Questão

Por:
Marcos Rogério Scioli – Advogado

1. Introdução

Circula com destaque a Nota Técnica n. 1/2024, elaborada pelo Grupo de Trabalho Rodovias Federais da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), que propõe sistemas de pesagem em alta velocidade (HS-WIM) e revisão da legislação sancionatória para controlar o excesso de peso, acrescenta, em tese, a preservação da infraestrutura viária e a equidade no setor de transporte.

No entanto, a análise apresentada na nota técnica revela limitações de rigor técnico, jurídico e econômico, refletindo uma abordagem simplificada e ancorada em dados de 2011, ambientalmente desalinhados do contexto atual. A nota afirma que o excesso de peso reduz a vida útil do pavimento em até 57%, com base em estudos como Otto (2018) e Otto et al. (2019), mas não especifica a vida útil do projeto considerado como referência. Sem esse dado, a afirmação não passa de especulação vazia, pois o impacto do sobrepeso depende de variáveis ​​como dimensionamento estrutural (espessura e composição das camadas), condições ambientais (pluviometria, temperatura e umidade), manutenção (frequência e qualidade dos reparos) e tráfego (volume e tipo de veículos). O método AASHTO (apesar de inadequado e obsoleto para a realidade Brasileira) avalia o dano ao pavimento considerando espessuras das camadas e condições ambientais, evidenciando a fragilidade técnica da Nota Técnica n. 1/2024 ao ignorar tais parâmetros. A falta de contextualização impede uma análise precisa do impacto real do excesso de peso, indicando uma generalização que não resiste ao escrutínio técnico.

Esta análise não visa isentar ou privilegiar qualquer ator envolvido no setor rodoviário, mas contribuir para um debate técnico mais profundo e equilibrado sobre as reais causas dos danos à infraestrutura viária e as soluções mais adequadas e eficazes.

2. Inconsistências Técnicas na Correlação entre Excesso de Peso e Dano ao Pavimento

2.1. Ausência de Parâmetros e Referências Fundamentais para Avaliação do Dano

A nota indica que o excesso de peso pode reduzir a vida útil do pavimento em até 57%, com base em estudos como Otto (2018) e Otto et al. (2019), mas omite a vida útil do projeto usado como referência e variáveis ​​como CBR, tráfego e clima. Essa abordagem simplificada, sem referencial técnico detalhado, é questionada por estudos como Rodrigues (2013), que destacam espessuras e condições ambientais como fatores determinantes para a vida útil do pavimento. Belo & Alves (2014) utilizam ensaios FWD para estabelecer os parâmetros de vida útil e razões do desgaste do pavimento (Belo & Alves, 2014, p. 44), e Sakai (2022), por sua vez, baseia qualquer conclusão em ensaios geotécnicos (CBR, expansibilidade) para definir espessuras, vida útil e causas de desgaste ou deterioração (Sakai, 2022, p. 9).

A afirmação de que o excesso de peso reduz a vida útil do pavimento em até 57%, com base em estudos como Otto (2018) e Otto et al. (2019), sem a especificação de qual seria a vida útil do projeto considerado como referência, é fruto resultado de uma falha metodológica significativa. Sem esse dado, a afirmação carece de fundamentação sólida, pois o impacto do sobrepeso depende de variáveis ​​como dimensionamento estrutural (espessura e composição das camadas), condições ambientais (pluviometria, temperatura e umidade), manutenção (frequência e qualidade dos reparos) e tráfego (volume e tipo de veículos). Rodrigues (2013) demonstra que o método AASHTO avalia o dano ao pavimento considerando espessuras das camadas e condições ambientais, evidenciando a fragilidade técnica da Nota Técnica n. 1/2024 ao ignorar tais parâmetros (Rodrigues, 2013, p. 5).

A nota afirma o seguinte: “Conforme demonstrado, a sobrecarga tem efeito significativo na redução da vida útil do pavimento, podendo atingir uma redução de 57%, com o aumento de 20% de carga por eixo”, entretanto, não apresenta a informação de quantas vezes isso ocorreu no referido estudo Otto (2018) e Otto et al. (2019) realizado “durante 30 dias consecutivos (novembro de 2011)”.

Também não indica a quantidade de passagens de veículos versus a quantidade de veículos com excesso no peso por eixo, igual ou superior a 20%, nem tampouco, quantas repetições nessas condições seriam necessárias para causar os 57% de redução.

Tudo não passa de generalizações não fundamentadas em dados empíricos.

Assim, a generalização e o reducionismo da nota é técnica frágil.

2.2. Reducionismo na Atribuição de Causalidade

A nota atribui ao excesso de peso um papel predominante, subestimando fatores como qualidade construtiva, vida útil projetada, eficiência da drenagem, índice pluviométrico e dimensionamento do número N, o que simplifica a complexidade multifatorial do problema, preferindo aderir à visão corrente que atribui responsabilidade predominante ao transportador.

Rodrigues (2013) aponta fluidez de drenagem como causas de rodeiras (Rodrigues, 2013, p. 40), Belo & Alves (2014) mostram que o tráfego do BRT reduz a vida útil para 3,2 anos independentemente de excessos (Belo & Alves, 2014, p. 65), e Sakai (2022) considera crucial que desde o projeto sejam considerados os índices pluviométricos para o local da rodovia (Sakai, 2022, pág. 8). O reducionismo da nota subestima essas complexidades.

2.3. Falta de Evidências Empíricas Atuais

Com base em dados de 2011, a nota não reflete avanços recentes. Em 2025, depender de informações de 14 anos atrás levanta questões sobre a atualidade e a relevância das questões apresentadas.

O artigo, propõe então uma reflexão: O desgaste das rodovias é predominantemente devido ao excesso de peso, ou reflete falhas sistêmicas que a nota omite?

2.4.  Os Limites de Peso e a Metodologia AASHTO: Estão Atualizados?

A metodologia da AASHTO (American Association of State Highway and Transportation Officials), idealizada nos anos 1950, continua sendo amplamente utilizada no Brasil para regulamentar os limites de peso. Apesar de sua relevância histórica, é inegável que avanços técnicos e científicos ocorreram desde então: 

Defasagem Conceitual: Os estudos originais foram conduzidos em condições específicas do pós-guerra nos Estados Unidos. Pavimentos, materiais e tecnologias de transporte evoluíram drasticamente nos últimos 70 anos, mas as premissas permanecem essencialmente as mesmas. 

Alternativas Contemporâneas: Estudos recentes sobre materiais resilientes e modelos mecanístico-empíricos têm demonstrado maior precisão na previsão da vida útil dos pavimentos, como demonstrado por Huang (2004) e Yang & Liu (2013). Por que o Brasil não incorpora essas inovações à regulamentação nacional? 

A permanência de métodos desatualizados sugere um descompasso entre práticas normativas e o estado da arte em engenharia rodoviária.

3. Distinção Crucial: Excesso por Eixo versus Excesso no PBTC – O modelo é arrecadatório – decorre da metodologia e não da conduta! Verdade inconveniente!

É fundamental distinguir:

  • PBTC (Peso Bruto Total Combinado): soma total de caminhão + carga;
  • Peso por Eixo: massa transmitida ao solo por cada eixo ou conjunto.

Um veículo pode exceder o PBTC sem ultrapassar o limite por eixo — e vice-versa. O sistema atual, porém, autua por qualquer ultrapassagem de eixo individual, mesmo quando o peso total está regular.

Além disso, o inverso também ocorre: mesmo sem excesso de PBTC, a movimentação da carga durante o trajeto (ex: líquidos, grãos soltos, frenagens, inclinação) pode gerar sobrecarga momentânea em um eixo específico, fora do controle do motorista. Suspensões desequilibradas ou pneus com calibragem diferente podem potencializar esse efeito.

A nota assume que o excesso de peso resulta em vantagens econômicas generalizadas, mas não diferencia o excesso por eixo (majoritário nas autuações, frequentemente ligado a variações operacionais no trajeto) do excesso de PBTC (que, em teoria, poderia ampliar a carga transportada, embora seja minoritário nas infrações). Rodrigues (2013) destaca que o método AASHTO quantifica danos por eixo, indicando que a nota do MPF erra ao não diferenciar impactos econômicos distintos do excesso de peso (Rodrigues, 2013, p. 20). Ao tratar todas as multas como mecanismos de combate à competitividade desleal, a nota distorce a realidade econômica do setor, penalizando indiscriminadamente situações e condutas distintas.

Reflexão: Se a maioria das infrações não está diretamente associada a ganhos econômicos, por que a nota adota um modelo sancionatório que não diferencia causas e impactos?

A nota, não sabe-se por qual motivo, omite a proporção entre a quantidade de multas por excesso de peso no PBTC (minoria das autuações) e a quantidade de multas por excesso de peso por eixo (larga maioria das autuações).

Sequer apresenta dado estatístico sobre as quantidades históricas, sobre os valores lançados e arrecadados em cada um dos tipos de multa.

Uma análise detalhada dos dados poderia revelar que a suposição de benefícios econômicos associados ao excesso de peso carece de respaldo empírico, desafiando a narrativa atual.

Explica-se:

In tese, o excesso de peso no PBTC geraria um “ganho” por viagem. Mais uma afirmação desprovida de comprovação empírica, pois, não se tem a quantificação de qual o percentual desses excessos. A lei, prevê tolerância de 5% no PBTC, e a partir desse conceito legal, pergunta-se: num universo de milhões de viagens por mês, quantas estão operando com excesso de peso superior à tolerância legal?

Sem a resposta, fundamentada em dados, para essa questão, qualquer afirmação genérica e estigmatizante de que os transportadores “lucram” com o excesso de peso é desprovida de credibilidade!

Mas há mais! A análise do excesso de peso por eixo revela uma complexidade adicional que merece maior atenção.

Não precisa ser especialista no tema, para compreender que, em regra, mesmo havendo excesso de peso por eixo, não há necessariamente excesso de peso no PBTC.

Também não precisa ser especialista para compreender que (seguindo o sofisma do lucro com o excesso no PBTC) não há qualquer benefício direto ou indireto ao transportador em transitar com excesso de peso no eixo!

Partindo dessas premissas, e partindo dos dados utilizados pela própria nota técnica, verifica-se o seguinte:

O quadro utilizado na nota para a elaboração de uma criativa analogia econômica, indicam o seguinte:

Entre 2011 e 2013, houve 72.755 infrações de excesso de peso no PBTC, o que representa em valores de multas R$ 10.105.758,03.

Entre 2011 e 2013, houve 1.059.132 infrações de excesso de peso por EIXO, o que representa em valores de multas R$ 153.138.504,10.

Não há uma linha na nota técnica que indique qual o universo de passagens de veículos nos mesmos pontos onde ocorreram tais infrações, para que se possa fazer a aferição da proporção entre número de veículos que transitou no período versus a quantidade de infrações. A ausência desse dado impede uma análise mais precisa e técnica sobre as reais causas dos danos à infraestrutura.

Mas os números apresentados revelam a verdade.

O sistema hoje não pude a conduta! O sistema é desenhado para arrecadar, mesmo que não haja evidências da conduta que alimenta o discurso: “o transportador lucra com o excesso de peso.”

Observe-se que, no período de 2011/2013, conforme o quadro apresentado na nota do MPF, foram registradas 1.131.887 infrações, das quais apenas 6,4% correspondem ao excesso de peso no PBTC. Isso sugere que a generalização de que o excesso de peso sempre gera vantagens econômicas, com base em uma fração tão pequena, carece de maior análise.

Levanta-se, assim, sérias questões sobre a consistência da abordagem adotada.

A mesma equação se repete em relação aos valores.

Vejam que no período de 2011/2013, no quadro apresentado na nota do MPF, consta o valor total de R$ 163.244.262,10 em multas aplicadas, e desse total, apenas 6,19% se referem a excesso de peso no PBTC!

Nitidamente as afirmações partem da insignificante amostra de 6,19% de infratores, para atribuir responsabilidade exclusiva pelos danos ao pavimento apenas ao transportador, sem considerar demais variáveis e atores envolvidos no processo logístico e de infraestrutura rodoviária.

4. Principais Causas dos Danos ao Pavimento: É Justo Culpar Apenas o Excesso de Peso?

Atribuir exclusivamente ao excesso de peso a responsabilidade pelos danos ao pavimento é uma visão simplista. Diversos fatores contribuem para o desgaste: 

Mau Dimensionamento do Projeto (Número N): Muitos pavimentos no Brasil são projetados com expectativas subestimadas de tráfego e cargas. 

Técnicas Construtivas Falhas: Má execução e uso de materiais de baixa qualidade comprometem a integridade estrutural. 

Resistência à Umidade: Em um país com regiões de alta pluviosidade, a incapacidade do pavimento em lidar com drenagem insuficiente é devastadora. 

Vida Útil Curta: Projetos que negligenciam o crescimento econômico e o aumento no tráfego deixam as rodovias vulneráveis antes mesmo do fim de sua vida útil estimada. 

Ao ignorar esses fatores e focar apenas no excesso de peso, perde-se a oportunidade de abordar causas mais profundas e significativas.

5. Omissões Críticas: Responsabilidades Compartilhadas e Falhas Sistêmicas

5.1. Silêncio sobre o Papel do Embarcador e dos responsáveis pela construção e conservação das rodovias – Adesão à visão corrente que atribui responsabilidade predominante ao transportador.

A nota concentra-se no excesso de peso como fator principal, sem abordar o papel do embarcador, apesar das Resoluções CONTRAN indicarem que este pode ser responsável por infrações de excesso por eixo, que representam 94% das autuações.

Rodrigues (2013) identifica o tráfego como uma variável (Rodrigues, 2013, p. 42), Belo & Alves (2014) destaca o planejamento inadequado (Belo & Alves, 2014, p. 17), e Sakai (2022) enfatiza a qualidade do subleito (Sakai, 2022, p. 3).

Qual a razão para não considerar outros elos da cadeia?

5.2. Inadequação da inferência direta entre autuação e dano ao pavimento

A nota não fornece ensaios detalhados. Rodrigues (2013) usa MEPDG (Rodrigues, 2013, p. 41), Belo & Alves (2014) Aplicação FWD (Belo & Alves, 2014, p. 44), e Sakai (2022) baseia-se em ensaios geotécnicos (Sakai, 2022, p. 3). Sem perícia, a relação entre peso e dano é especulativa.

Reflexão: A ausência de perícias não poderia resultar em uma atribuição de responsabilidade desproporcional?

Estudos bem-feitos sobre o tema sustentam que o dimensionamento de pavimentos já considera margens de sobrepeso, e que o simples fato de um veículo ultrapassar um eixo em 10% não implica, isoladamente, em deterioração mensurável, sobretudo sem perícia técnica com retroanálise da estrutura do pavimento, ensaios de fadiga, deflexão, CBR e modelagem de ciclo de vida.

A Nota Técnica não exige nenhum nível de comprovação técnica de dano efetivo ao pavimento para sugerir medidas punitivas amplas. Isso é tecnicamente temerário e metodologicamente equivocado, pois pressupõe causalidade direta entre número de multas e deterioração de pavimento sem qualquer análise de suporte, como o cálculo do número N ou avaliação de subleito.

Além disso, a nota técnica faz uso inadequado de “proporcionalidade econômica” (multas x custo de recuperação).

Não é possível, com os dados apresentados na nota técnica, justificar economicamente a responsabilização proposta, pois, além de sonegar os dados dos volumes de tráfego, a quantidade de multas por excesso de PBTC são desprezíveis frente ao total.

A Nota Técnica do MPF defende a necessidade de implantação de novos sistemas de pesagem com base em um raciocínio econômico que compara custos de recuperação de pavimento com ausência de multas, mas falha ao não considerar que:

  • A grande maioria das multas é por eixo e não PBTC;
  • Multas por eixo não geram ganho econômico ao transportador;
  • Somente sobrepeso no PBTC poderia, teoricamente, gerar esse “dano econômico” justificado.

Para além das inconsistências metodológicas derivadas a total ausência de dados empíricos e técnico-científicos atuais, qualquer conclusão adequada não poderia prescindir do uso de softwares de modelagem, retroanálise, ensaios em campo e simulações, demonstrando que apenas uma análise holística pode indicar responsabilidade real por dano estrutural.

A Nota Técnica não exige nada disso: não fala em perícia, retroanálise, nem mesmo considera parâmetros básicos como espessura de projeto ou pluviometria local. Ignora completamente o conceito de engenharia forense de pavimentos, o que enfraquece sua credibilidade técnica.

Prefere uma abordagem binária e enviesada, que considera o simples fato de existir uma autuação como indicativo direto e proporcional de responsabilidade por dano viário, sem qualquer ponderação multicausal ou crítica estatística.

A Nota Técnica adota uma abordagem enviesada, associando diretamente a degradação da malha viária a fatores como excesso de peso, sem distinguir entre:

– Tipo de infração (eixo ou PBTC);

– Origem do sobrepeso (diversos agentes);

 – Representatividade estatística;

– Impacto real técnico e financeiro comprovado.

Em resumo: a NT apresenta fragilidades técnicas e jurídicas significativas.

A ênfase no excesso de peso, fundamentada na “lei da quarta potência” (AASHTO), desconsidera variáveis ​​cruciais:

  • Fatores Além do Peso: Ensaios como CBR, deflexão (Benkelman Beam/FWD), resiliência do solo e fadiga do asfalto revelam que qualidade construtiva, umidade (fator climático regional, FR) e tráfego geral influenciam tanto ou mais o desgaste. Estudos internacionais (TRB) estimam que a má gestão da infraestrutura responda por até 60% dos danos, contra 30-40% do sobrecarregamento.
  • Número N e Vida Útil: O dimensionamento de pavimentos (ex.: “Número N”) já prevê tolerância a sobrepesos, baseada em VMD e fatores de equivalência (AASHTO/USACE). A Nota Técnica omite a vida útil projetada das rodovias, essencial para avaliar se o desgaste é prematuro ou esperado.

Isso contrasta com a visão simplista do MPF, exigindo perícia técnica para aplicação.

A ênfase excessiva no excesso de peso sugere uma abordagem regulatória centrada na prevenção. Dados do PNCT indicam que veículos pesados ​​compõem 30-31% do tráfego em rodovias, mas seu impacto individual é diluído no volume total. A baixa proporção de multas em relação ao tráfego total reforça que o problema é sistêmico, não pontual. Investir em manutenção preventiva, melhorar a qualidade construtiva e revisar o planejamento rodoviário seriam mais valiosos que avaliações genéricas ou tecnologias custosas.

6. O paradoxo entre legalidade e engenharia

A legislação permite autuações automáticas por ultrapassagem mínima de peso por eixo, mesmo que não haja dolo, má-fé, risco viário ou dano ao pavimento.

A engenharia, por sua vez, admite que o dano ao pavimento depende da carga acumulada, das características do solo, da drenagem, da qualidade da construção — e não de variações isoladas por eixo.

O modelo jurídico atual assume que o caminhão opera como uma balança ambulante ideal, atribuindo responsabilidade geral por variações, sem considerar plenamente a realidade operacional e física do transporte.

Esse descompasso compromete a legitimidade da fiscalização e estimula a judicialização em vez da prevenção.

7. Caminhos para uma fiscalização mais justa e técnica

  1. Graduar penalidades com base no dano potencial e não no milímetro da balança;
  2. Aumentar a responsabilidade do embarcador;
  3. Investir em tecnologia embarcada, com monitoramento dinâmico da carga;
  4. Revisar a Resolução CONTRAN 882/2021 para distinguir conduta de variação física;
  5. Criar um critério de reprovabilidade técnica real, e não apenas legal formal.
  6. Somente depois de atender os critérios anteriores: Adotar balanças em movimento (WIM) como método padrão;

8. Considerações Finais

A Nota Técnica n. 1/2024 do MPF, embora bem-intencionada, peca por sua abordagem reducionista, desatualizada e enviesada. Ao superestimar o papel do excesso de peso no trânsito das rodovias, ignorar fatores multicausais e silenciar sobre responsabilidades compartilhadas, o documento propõe soluções que podem ser ineficazes e injustas. Rodrigues (2013) valida o método AASHTO para pavimentos portugueses, desde que sustentado por dados detalhados, alinhando-se à necessidade de uma abordagem multicausal ausente na Nota Técnica n. 1/2024 (Rodrigues, 2013, p. 51). A ausência de dados recentes, a fragilidade econômica de suas metas e a falta de rigor técnico comprometem sua legitimidade como base para reformas legislativas ou investimentos em infraestrutura.

É fundamental reconhecer que a degradação das rodovias brasileiras não pode ser atribuída exclusivamente ao fator peso, sendo imprescindível considerar problemas estruturais ligados à engenharia, gestão e regulação.

O excesso de peso por eixo é, muitas vezes, apenas um sintoma diagnosticado com instrumentos imprecisos e tratado com penalidades desproporcionais.

Revisar esse modelo é não apenas uma demanda técnica, mas uma exigência de justiça, eficiência e racionalidade no uso da infraestrutura pública e na relação entre o Estado e o setor de transportes.

Recomenda-se que qualquer política pública nesse campo seja precedida por: a) Estudos técnicos atualizados, com modelagem multicausal e perícias forenses; e b) Debate amplo com todos os operadores da cadeia logística (transportadores, embarcadores, gestores públicos);

Há necessidade de soluções equilibradas que priorizam prevenção e eficiência, em vez de um modelo punitivo sem suficiente embasamento técnico.

Sem esse cuidado, corre-se o risco de perpetuar um modelo regulatório que transfere responsabilidades sem resolver os problemas estruturais das rodovias brasileiras.

9. Reflexões e Dúvidas Provocadas

Sobre a Causalidade: Se o excesso de peso é apenas um dos fatores de rotações, por que a nota não aborda a responsabilidade do poder público na manutenção e no planejamento viário?

Sobre a Proporcionalidade: A arrecadação irrisória das multas justifica o investimento em sistemas caros como o HS-WIM, ou seria mais eficaz investir modernização dos sistemas construtivas, em conservação e recapeamento?

Sobre a Justiça: Como garantir que a autuação remota não atribua responsabilidade desproporcional em casos de erros relacionados à carga ou falhas nos equipamentos?

Sobre a Atualidade: Em um cenário de avanços tecnológicos e mudanças logísticas, por que a nota se ancora em dados de 2011, ignorando o contexto de 2025?

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